Um ano sem fumar

No meu caderno, tenho uma seção chamada “Ideias de textos”. Dentro dela, está uma página com uma lista: “Falhanços”. No topo, o primeiro item é “Parar de fumar em 2019”.

Sei que escrevi essa lista há mais de um ano, porque fez agora esse tempo que deixei o tabaco. Ao contrário de 2019, em 2023 fui bem-sucedido.

Fumei a sério (regularmente, constantemente, em média um maço por dia) durante treze anos, mas, nos últimos meses, o hábito já não me dava muito prazer. Tinha bastante expectoração de manhã e os poderes do tabaco de aumentar a concentração e de espevitar-me durante a madrugada já não eram muito grandes.

Foi assim que, numa noite sossegada de sexta feira do ano passado, peguei num livro que vira recomendado em algum lugar chamado O método fácil de parar de fumar. Mentiria se dissesse que sou um grande leitor de auto-ajuda, mas a verdade é que li tudo em poucas horas e não peguei num cigarro desde então.

Isto não aconteceu por magia, mas porque, no caso, se juntou a fome à vontade de comer. Ou seja, a vontade de parar a um livro que parecia entender a mente de quem fuma. Ou, pelo menos, a minha.

O método fácil começa pela observação de que a nicotina é uma droga tão rapidamente absorvível pelo corpo quanto desaparece dele, deixando apenas a vontade do próximo cigarro, que cria a vontade do cigarro seguinte, e assim por diante.

Ou seja, no fundo, o que nos leva a fumar é termos fumado antes.

Então, o foco de quem quer parar não deve ser tanto evitar o cigarro, mas sim interromper o ciclo de adicção em nicotina. E, para isso, o segredo é só um: parar.

“Caramba, Jorge, foi preciso ler um livro para chegar a isso?”. Eu sei, mas a nossa mente é muito boa a criar desculpas para justificar pecadilhos. O bom deste O método fácil é montar um raciocínio que faz muito sentido para quem fuma e quer parar. A dado momento, ele até explica de forma bem certeira o falhanço da minha tentativa de 2019: porque, em vez de eliminar o cigarro, tentei diminuir o número que fumava por dia. Ou seja, não só não interrompi o ciclo de adicção como prolonguei o tempo entre doses, levando-me a um grande desconforto físico. E o livro não mentiu: parar de repente e por completo foi muito menos custoso.

Durante os primeiros dias sem cigarro, a fissura vinha quando passava por alguma situação em que, no passado, eu fumava de certeza. Fazer uma refeição, sair do cinema, esperar um ônibus. Nesses momentos, eu lembrava-me do mantra “não existe só um” e imaginava uma fila interminável de cigarros, um depois do outro. Pensava que, se fumasse o primeiro, teria que fumar todos, e isso fazia a vontade ir embora.

O interessante foi perceber que essa mesma vontade não se repetia. Ou seja, senti tentação depois do primeiro jantar, mas não depois do segundo. Após algumas semanas, o desejo de fumar era coisa do passado.

Descobri algumas coisas curiosas. Por exemplo, estar no meio de uma roda de fumantes não me dava vontade, mas ver atores fumar em filmes dava. Achei que a suavização das mucosas da minha boca iria fazer com que voltassem as aftas que me atormentavam antes de ter começado, mas não foi o caso. Não recuperei grande paladar ou olfato, mas a expectoração pesada passou e não engordei, nem senti que tivesse que compensar o vício com outro qualquer.

Uma mudança inusitada foi que comecei naturalmente a ir dormir — e a acordar — umas duas horas mais cedo do que o costume. Curiosamente, esse é mais ou menos o tempo que demora a fumar os vinte cigarros dum maço. É como se o meu corpo tivesse ajustado o seu ciclo circadiano.

Não sou muito moralista. Eu quis fumar até ao dia que não quis, e gostei muito de ter a liberdade para fazer ambos. A vida é muito curta para perder tempo com as opiniões dos outros. Então, cada cabeça com sua sentença.

Porém, é bom que se diga que, apesar de não ser o desafio mais fácil do mundo, parar é bem menos difícil do que se fala. É preciso que seja isso que se quer, claro, e alguma força de vontade. Mas, sinceramente, já passei por coisa bem pior. Então, se quiserem também, força: não é complicado.