"Joker: Folie à Deux": Pérolas a porcos

Vi Joker: Folie à Deux e pareceu-me mais um exemplo de como, a cada dia que passa, o Letterboxd vai se enshitificando. Explico-me.

Já digo de cara: é um grande filme. O diretor Todd Phillips continua (talvez conclua) a subversão do gênero de super-herói com pessimismo e tragédia em vez de glorificação, superação e sucesso. Ele faz um comentário duríssimo sobre a normalização da violência na cultura popular, incluindo-se ironicamente também como alvo dessa crítica. Ao trazer as canções do “Great American Songbook”, coloca-se como uma peça de “americana” negativa e crítica, como que revelando o desespero por trás da capa purpurinada das canções. Além disso, Joaquin Phoenix e Lady Gaga estão incríveis.

Respeito muito a opinião de quem discorda de mim após ter visto o filme, refletido sobre ele e chegado à conclusão de que não enche as suas medidas. É muito bom que as pessoas pensem de forma diferente umas das outras. O que me parece ruim, e até um pouco preocupante, é esta sensação de que ele foi prejudicado por uma certa tendência de crítica — muito ligada ao site Letterboxd e também a youtubers e podcasters de Cinema — que, empurrada pela pressão de fazer conteúdo, cria imediatamente uma corrente de opinião maioritária e esmagadora.

Isso tem dois efeitos. Primeiro, posicionar-se contra a maioria vira algo muito trabalhoso e cansativo, uma discussão certa que não apetece ter. Segundo, a tirania do algoritmo mais a urgência dos espectadores resolverem os seus dilemas de economia da atenção acabam selando o destino de um filme até mais depressa do que o resultado da bilheteria do primeiro fim de semana.

Parece a mesma história que já vimos sendo contada mil vezes na história da internet: aquilo que antes expandia e democratizava o conhecimento e a diferença acaba virando mais uma bengala para impor o convencional. Acho a crítica-em-uma-frasezinha-lacradora-engraçada do Letterboxd muito funesta, porque, se a discussão pública sobre um filme vira um concurso de popularidade, o Cinema passa a importar cada vez menos e menos e menos.

Havia talvez nem 30 pessoas na sala hoje. Francamente, isso é insultuoso para um filme como este. Acho que Joker: Folie à Deux será em 2024 o que Babylon, de Damien Chazelle, foi em 2022: uma obra admirável que fracassou na bilheteria porque sofreu algo muito parecido com bullying online. Combina com o tema dele, mas seria preferível que não acontecesse.