Os filhos da vaca velha
Escrevi aqui semana passada que tinha coisas a dizer sobre as eleições portuguesas. Agora já a Assembleia elegeu o presidente, já o primeiro-ministro tomou posse e eu, que passei estes dias ocupado com uma série nova, não disse nada.
Descobri que não devo fazer promessas, mas a verdade é que não há muito de novo a dizer. Durante os tempos do Covid, ligava aos meus pais em Portugal para saber o que aconteceria no Brasil dali a duas semanas. Na política, os últimos anos foram o oposto. Estava à espera destes grandes vencedores desde três legislativas atrás. Estes “filhos da vaca velha”, como dizia a minha avó. Nas coisas que apareciam sobre aquele único filho da vaca velha então eleito deputado em Portugal, reconheci o mesmo roteiro “Bannon” que dera a vitória a Bolsonaro no ano anterior. Não imaginei que fosse desaparecer de um momento para o outro.
Vídeos no Youtube com títulos bombásticos, declarações exaltadas e insultosas, entrar em discussões como porcos chafurdam na lama. É como se uma caixa de comentários no Facebook virasse programa partidário? Claro: os da internet também precisam de alguém em quem votar. A comunicação social, ávida por cliques, agradece o populismo dos filhos da vaca velha e repassa a mensagem. O algoritmo das redes sociais percebe e repassa-a ainda mais.
O escândalo não é um acidente — para os filhos da vaca velha, ele é um instrumento. Uma partilha da notícia com “viste o absurdo que estes gajos disseram?” é tão válida quanto outra qualquer, porque serve para fazer a mensagem chegar à pessoa que pensa “mas eu concordo”. Pensa, mas nunca dirá. Eu já ouvi a frase “eu nunca imaginei, ninguém me disse que ia votar neles” em dois continentes diferentes.
Os filhos da vaca velha são o projeto político com maior sucesso da Terceira República portuguesa. O líder saiu do PSD como quem sai de uma empresa onde não consegue chegar a diretor para fundar o seu próprio negócio. O flerte com o neonazismo conseguiu que fossem ganhando votos. Milionários doaram dinheiro, os meios aumentaram. Em Portugal como no Brasil, quem sofre mais com estes tipos é o centro, não a esquerda. Conseguiram enterrar o CDS primeiro. Conquistaram políticos dos adversários, maneiraram um pouco o discurso, conquistaram ainda mais votos ao centro, e o resultado está aí. O grande objetivo está na cara: ir pela direita até tomar o lugar do PSD no espectro político português.
Para isso, aplicar-se-á a política da confusão, como já se viu na eleição do Presidente da AR. Lembrou-me o Bolsonaro a soltar alguma alarvidade estratégica e, enquanto nós ríamos, “ahah olha que parvo”, o Congresso aprovava algum absurdo, como o aumento da lista de pesticidas admissíveis ou o número de armas permitidas por pessoa. Se os filhos da vaca velha forem atacados, choramingarão que os outros fazem a mesma coisa. Mas, quando foram eles a atacar, dirão que são diferentes dos demais.
Os filhos da vaca velha têm um calcanhar de Aquiles: elegem-se em democracia com um discurso reacionário. Este dá-lhes uma base, mas as eleições ganham-se ao centro. Por isso, eles têm que tentar encontrar uma forma de ganharem este sem perderem aquela, e isso não é fácil. Bolsonaro e Trump não conseguiram. Pode ser que, se isso acontecer, se normalize a sua existência. O eleitor português não costuma valorizar a confusão.
Até lá, precisais ter paciência. Não acrediteis em falas mansas, porque já temos visto muita fala mansa acabar em congressos invadidos. “Ah, mas serão mesmo fascistas?”. São, são, e um bando de escroques. Não lhes passeis confiança. Nem digais o nome desses filhos da vaca velha.