Nove inquietações e um conforto
Ao criar este site, prometi que vos daria uma dose semanal de mim mesmo. Por razões profissionais, quebrei esta regra. Tentarei recuperar o atraso perdido. Por hoje, seguem algumas impressões soltas.
Quanto mais apoiadores uma doutrina radical ganha, menos radical ela fica. Quantos mais adeptos a sua forma inicial atrai, mais estes a normalizam. A afluência naturalmente traz negociação e transigência, e o radicalismo não resiste. Ou seja, a adesão a ideias garante, ao mesmo tempo, que elas ganhem e que elas morram. Mas quantos e quais choques teremos até isso acontecer?
Se os trabalhadores que tradicionalmente votavam à esquerda se tornam o público preferencial de partidos de extrema-direita, faz sentido manter estes conceitos? O que são esquerda e direita? O proletariado ainda existe?
Da internet à vida em carne e osso, é problemático precisarmos inventar dualidades para compreender o mundo. Estes contra aqueles, uns e os outros, lobos esquerdo e direito. Não ajuda ninguém.
Por que se fala tão pouco que muitas aberturas do capitalismo atual, como a proibição do trabalho infantil ou a distribuição de bónus pelos trabalhadores, só existem por causa das reivindicações socialistas do século 19?
A superação do Estado é a utopia final tanto do marxismo quanto do neoliberalismo, correto?
Cada vez mais gente acha que o Estado de Direito é uma desculpa para ser explorada pela elite. Faz sentido: os poderosos impõem o seu poder aos legisladores. Por que defender o “equilibrado” se ele sempre parece jogar contra nós?
É muito fácil errar com plurais. “Os brasileiros são”, “os portugueses são”. Somos o quê? Todos mesmo, somos? Somos nada.
Teremos mais em comum com os nossos inimigos no presente do que com os nossos parentes do passado?
Leio num artigo que há quem esteja a tentar ressuscitar os dodôs. E se eles abrirem os olhos e não gostarem deste mundo? Podemos culpá-los?
Tenho tirado grande conforto da noção de que, daqui a umas décadas, vamos estar todos no mesmo lugar. Pobres, soterrados, pisoteados. Ótimo pensamento para lidar com pessoas que acham que são melhores do que os outros.