25 de Abril de 2024

O que se fez há cinquenta anos em Portugal não tem igual no mundo. A coincidência de teorias e práticas, desejos e pensamentos, armas e gargantas. O momento em que os portugueses abdicaram do “cá vamos andando”, ouviram “para mim, chega” e responderam “para nós, também”.

Acho que sempre falhei ao explicar aos meus amigos no Brasil a magnitude desta data por isso. Não há muita coisa parecida. Também não sei se os mais novos de Portugal entendem. Talvez faça parte. Quando somos jovens, não gostamos das coisas que nos enfiam goela abaixo. Quando somos velhos também não — porque é fácil engasgarmo-nos —, mas, jovens, menos ainda. Eu não gostava nada de fado nos anos 80, quando queria ver filmes e a RTP me dava especiais da Amália e do Carlos do Carmo. Mas, quando comecei a beirar os 30, ouvi “Estranha Forma de Vida”, e ouvi “Um Homem na Cidade” e entendi que há coisas com momentos certos para serem entendidas.

O que a democracia portuguesa vai entender neste momento em que já é mais velha do que a ditadura alguma vez foi? Talvez que muita gente se sente desamparada por ela. Que não adianta prometer coisas em eleições que não se vão cumprir. E também que não adianta dar às pessoas um Estado a quem elas preferem passar a perna antes que ele lhes faça o mesmo.

Cada um de nós, sozinho, parece tão pouco. Mas eu — português de origem, quarenta e três anos, emigrante, filho de professores primários — sou também a minha memória. Sou também, por exemplo, aquele momento em que vi o José Mário Branco parar um concerto para falar sobre um grupo de trabalhadores desamparados depois de descobrirem que os patrões tinham limpado a fábrica onde trabalhavam e desaparecido. “Não foi pra isto que fizemos o 25 de Abril, pá”, queixava-se o Zé Mário.

Não foi. Também não foi para as pessoas descobrirem que não ganham o suficiente para pagarem uma casa na cidade onde trabalham. Ou para a entrega dos partidos aos grandes empresários e grupos de comunicação. Ou para a política emburrecida, feita para canais de notícias 24h, cliques em páginas e views em vídeos. Ou para as mudanças climáticas, ou para a crise da Segurança Social, ou para este monte de coisas que não se podiam prever.

O 25 de Abril faz 50 anos. O que ele pode fazer por nós? Salazar caiu da cadeira há tanto tempo, Portugal pode acabar coberto pelo mar amanhã. De que nos serve a memória?

Talvez o “25 de Abril sempre” seja mais do que um apelo a não esquecermos a superação dos tempos obscuros. Talvez seja uma forma de dizer que, todos os anos, todos os dias, nós devemos dar os nossos pequenos 25 de Abris. Construir consensos, perseguir a razão, rejeitar os fascismos novos e antigos.

Será, por exemplo, que a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa sobre Portugal “pagar os custos” da escravatura e dos crimes coloniais significará, enfim, a conclusão do “Descolonizar” da Revolução dos Cravos? Veremos. Por enquanto, que venham mais cinquenta.